Quando a relação termina e o respeito já não estava presente a muito tempo, o momento do divórcio se torna aflitivo e motivo de rancor e, por vezes, até de ofensas bem cruéis.
Já ouviram aquela frase: ”vou tirar tudo de você e te deixar na miséria”! Pois é, uma pessoa que uma vez já foi amada e desejada pela outra, agora deseja ver sua/seu ex na penúria.
Pode parecer piada de mal gosto, mas é a realidade crua.
Especialmente nos processos de divórcio verifica-se a violência patrimonial contra a mulher frequentemente.
Muitos homens acreditam que têm mais direito sobre os bens do casal por terem saído para trabalhar enquanto a mulher cuidava dos filhos e/ou trabalhava de maneira informal. E mesmo as que trabalham formalmente, ainda podem ter o valor da sua carreira diminuída, frente ao trabalho do parceiro. Exemplo disso ocorre nos casos onde o marido acha que a mulher é quem tem que resolver as questões domésticas porque ele “precisa trabalhar”, sendo que ela também trabalha e tem suas obrigações profissionais tanto quanto ele.
Qual o motivo do trabalho masculino tem mais importância???
Situação igualmente corriqueira é a de quando a criança adoece, é a mulher que precisa faltar, o que muitas vezes gera impactos negativos em sua carreira, pois homem que falta ao trabalho comprovadamente para cuidar de doença de filho é tido como exemplo, até como pai/herói, já as mulheres além de “não fazerem mais que a obrigação” ainda ficam com fama de desidiosas no trabalho. Em muitos casos a mulher não aguenta a pressão do marido e do empregador e sai do trabalho ou atrasa a carreira ou abandona os estudos, a fim de “aliviar” o clima dentro de casa.
No momento que uma mulher manifesta desejo de separar-se, é comum descobrir que o marido/companheiro destruiu bens materiais e seus objetos pessoais, como notebooks, celulares, ou escondeu certidão de casamento, passaporte e outros documentos, afim de puni-la pela decisão de romper o vínculo ou coagi-la a manter-se na convivência, ou ainda para mostrar que deixará sua ex na penúria.
Tal postura se agiganta e a partir da separação, muitos homens utilizam a sua condição financeira como instrumento para perturbar a vida da ex-esposa/companheira de maneira bastante acintosa.
Mas seja antes ou após o rompimento, algumas condutas somente aparecem com o térmico da relação, tais como, nos casos em que o homem se apodera do dinheiro que uma mulher guardava/economizava; casos onde o homem administrava sozinho o valor do aluguel de um imóvel que pertencia aos dois; efetivação de investimentos fora do patrimônio nominal do casal para lograr a partilha; registrar todos os bens do casal exclusivamente em nome do homem; possibilitando-o, em casos de união estável, desfazer-se rapidamente deles sem a autorização da companheira; recusar-se a reconhecer que o trabalho doméstico e de cuidado dos filhos possui valor financeiro atribuível, e que a mulher que se dedicou exclusivamente a estes contribuiu efetivamente para a construção do patrimônio comum, com a sua força de trabalho e tempo (imaginem pagar o valor do salário de uma babá, uma cozinheira, uma empregada doméstica, motorista particular, etc, etc… o valor seria altíssimo e inviável para a esmagadora maioria dos homens);utilizar procuração conferida em confiança pela mulher para realizar transações financeiras que a prejudicam;adquirir bens usando o seu cartão de crédito e não pagá-los após a separação;pressionar emocionalmente a mulher para que a divisão seja feita rapidamente e com advogado único contratado pelo ex-companheiro, acarretando perdas de direitos financeiros (enormemente comum, notadamente se o profissional do Direito não tiver ética e concordar em prejudicar a ex.conjuge virago);negar-lhe alimentos compensatórios após a separação, alegando que por ser jovem e ter formação acadêmica poderia ingressar imediatamente no mercado de trabalho, ainda que a mulher se encontre em situação vulnerável economicamente devido à ruptura da vida em comum;abandonar emprego formal ou ocultar vencimentos apenas para não ter que pagar alimentos aos filhos(as) e/ou à ex-companheira e esquivar-se propositalmente do oficial de justiça para não ter que contribuir para o sustento dos filhos comuns; atrasar injustificadamente a pensão alimentícia ou os alimentos compensatórios, com o único objetivo de humilhar e causar sofrimento à mulher.
Por esses e tantos outros exemplos que poderia ficar aqui enumerando por dias, em razão da vivencia da prática da advocacia é que o primeiro conselho que sempre dou nas palestras que faço sobre a violência doméstica é: TENHAM INDEPENDÊNCIA FINANCEIRA!!!
Uma mulher privada dos recursos para a sua sobrevivência é atingida emocional e fisicamente.Todas estas situações vulnerabilizam ainda mais a mulher em um momento delicado como a separação. Neste momento que muitas perdem as forças, engavetam a coragem, mutilam seus desejos e ficam num relacionamento tóxico e humulhante.
Infelizmente, esse tipo de violência passa muitas vezes despercebida por familiares e até advogados, seja em razão da naturalização da escuta destas agressões nas situações de separação, seja por falta de conhecimento em relação ao tema.
Não existem estatísticas nacionais sobre a incidência de violência patrimonial, mas o Dossiê Mulher 2018 com dados do estado do Rio de Janeiro dá uma panorama sobre esse tipo de abuso. O levantamento mostra que as mulheres representam 70% das vítimas dos delitos dessa natureza.
Segundo os dados desse estudo, o principal tipo de violência patrimonial contra mulheres foi o crime de dano (50,4% dos casos), seguido da violação de domicílio (41,8%) e supressão de documentos (7,8%). Companheiros ou ex representam a maioria dos autores (43,3%) da violência, mas pais, padrastos, parentes e pessoas próximas também podem cometer esse tipo de crime. A residência foi o local em que mais ocorreu a violência patrimonial, com 79,3% dos casos. Considerando-se os três delitos analisados (violação de domicílio, dano e supressão de documentos), mais da metade dos casos ocorreram em contexto de violência doméstica e familiar e foram qualificados nos termos da Lei Maria da Penha. A principal base de dados do Dossiê foram os Registros de Ocorrência (RO) das Delegacias de Polícia Civil de todo o estado.
O maior desafio nesses casos é conseguir reunir provas, SEMPRE!!!
Históricos de depósitos e transações financeiras que mostram o salário da mulher sendo depositado em uma conta que ela nunca movimenta, por exemplo, pode ser um começo; testemunhas; Gravações de celular ou fotos. Em casos extremos, é possível requerer um mandado de busca e apreensão, para que o objeto reclamado seja então procurado pelas autoridades policiais, ou medidas como arresto e sequestro de bens.
Normalmente a violência patrimonial vem acompanhada de outros tipos de violências, geralmente psicológicas (falaremos em outro texto, aqui do Blog.
QUAIS SERIAM AS ATITUDES CAPAZES DE PROTEGER A MULHER ENTÃO????
Para evitar a violência patrimonial a mulher precisa:
– ter noção dos seus direitos;
– mostrar igualdade na sua condição de companheira (e não coadjuvante) no casamento;
– buscar conhecimentos de economia e finanças;
– demonstrar real interesse por toda a vida financeira do casal e de sua gestão;
– desde logo recusar propostas que possam, no futuro lhe trazer prejuízo (como aceitar comprar bens e nome de terceiros, emprestar dinheiro sem comprovação, etc);
– manter sempre que possível independência financeira e controle (conjunto) sobre o patrimônio e negócios do casal.
Em suma, para que a mulher não seja deixada na miséria, tanto emocional quanto financeira, demonstra-se essencial que reconheçamos a complexidade da situação, para romper o ciclo de violência patrimonial. O processo jamais poderia levar abalos financeiros irreversíveis ao futuro dessas mulheres – que muitas vezes abrem mão de direitos por não terem condições emocionais mínimas para sustentar a demanda, e principalmente por estarem desacompanhadas de advogadas (os) que realmente possuam expertise necessária para lidar com este rompimento tão traumático e delicado.
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Advocacia no feminino sempre presente na luta pelos direitos das mulheres em busca da justiça igualitária.