Venho sentindo uma sensação estranha… sinto um nó na garganta que, por vezes, parece vontade de chorar, noutras vezes, vontade de gritar, ou uma bola de pelo presa na glote! Ahhh sei lá… bastante estranho esse engasgo. Pensando justamente nesta sensação e buscando identificar os motivos de tais sentimentos, percebi que me deixa enjoada, nauseada, como se alguma comida tivesse me feito mal… mas na verdade o que me causa tal estado é ver a realidade das coisas.
Me deparar todos os dias com a forma como nós mulheres somos tratadas é indigesto, indigno, nefasto, sombrio…
Será que tenho sido ingênua ou até utópica na luta diária pelo enfrentamento à violência contra as mulheres??? Creio que NÃO. Mas também me abato, por me aproximar de um mundo melhor e verificar que quando estico os braços a penso que irei tocar este mundo igualitário onde as mulheres são tratadas como seres humanos iguais e com dignidade tal e qual os homens, a miragem desaparece e a distancia volta a arrebatar meu olhar agora novamente melancólico e a sensação indigesta retorna.
Em nosso socorro, (digo nosso pois sou mulher e por ser atuante nesta luta, muitas vezes sou hostilizada pelas minhas posições, mas graças a muitos anos de estudo, posicionamento e criação, não me submeto a nada e nem a ninguém, o que me dá mais forças para desejar o lugar de fala e os privilégios que tenho para TODASSSSS sem exceções), temos uma legislação considerada a 3a melhor do mundo em termos de enfrentamento a violência contra a mulher. Contudo, existe um relevante abismo entre a legislação, a vontade política e a realidade dos fatos.
Quando falo de abismo legal, não estou qualificando a fenda existente entre a verdade das coisas e a lei como algo positivo (legal em termos coloquiais), mas sim revelando o quão profundo é o buraco que separa a defesa dos direitos das mulheres e o cotidiano das vítimas.
Penso sempre que as metáforas são recurso exímio para explicar situações limites que geram sentimentos dispares e causam dor, como ocorre com a devastação causada pelo patriarcado e seu “machismo endêmico”…
Por pensar assim, e procurar sempre facilitar a vida de quem gosta de ler meus textos e seguir meu trabalho, resolvi demonstrar os 7 pecados capitais infligidos contra os direitos das mulheres.
Somos tantas e tão frágeis ainda diante de tamanho escárnio… mas para começar por um pecado menos severo, podemos falar da SOBERBA. Pode parecer que em nada se relacionaria com os direitos das mulheres esta palavra pouco usada hodiernamente, mas que está presente na maioria dos lares onde o homem humilha, oprime e diminui sua esposa ou companheira pelo fato dela ganhar menos que ele, ou não estar auferindo renda fora do lar, por estar a disposição dos filhos e do próprio algoz que na maioria das vezes exigiu que esta mesma mulher abandonasse seus sonhos profissionais, estudo e/ou carreira. Soberbo é o homem que usa seu cargo, posição ou renda para fazer da mulher sua escrava sexual, diarista, motorista, babá, cozinheira… etc. e ainda acusa aos berros que a pobre em nada contribui no lar do “casal”.
Por seu turno a AVAREZA, segundo pecado da nossa listinha, pode ser o rótulo daquele que manipula as contas da casa, retira de seu nome os bens para deixar a esposa sem renda, coloca seu patrimônio no CPF dos parentes, passa todas as dívidas para a esposa que assina os documentos sem ler e na ingenuidade fica com a “ficha suja” sem sequer saber o motivo. Pense bem antes de se casar com alguém que não é claro com vc sobre os bens, ganhos, investimentos e despesas que possui…. quase sempre é golpe, ou pq esconde de ti o que possui pra vc não desfrutar ou pq só acumula dívidas e quer sugar sua vida financeira. Alerta vermelho!
A difamada PREGUIÇA, tão citada… kkkk, as vezes ela é até uma forma de auto piedade que praticamos quando já estamos exaustas, ou isso seria só descanso?? Mas pense comigo, o que significa um homem preguiçoso em sua vida??? Vamos usar um exemplo: o cara não trabalha fora de casa e muito menos deixa os afazeres do lar em dia. Reclama de tudo que vc produz, compra e faz. Não se mexe para dividir as contas da vida em comum, suga sua alma, menosprezando seu trabalho, te chama de incompetente e tenta de todas as maneiras minar sua motivação para crescer e ainda usa frases como: “Deus quis assim!”, “alegria de pobre dura pouco”, “rico não vai pro céu”, etc…. tudo para continuar vendo tv e fazendo vc de serviçal.
Olhe bem, vc paga o aluguel, as contas de casa, faz o mercado, (compra até a cerveja do traste) e ainda é tida como a inútil. Deixa esse projeto de praga do Egito ir embora menina!!! Ele não é violento mas abusa de ti todo santo dia sendo uma ancora na sua vida, que só dá ré pois ele não coopera em nada. Vem cá, vc merece coisa melhor hein…
GULA é algo desconcertante eu entendo… mas cada um deve saber até que ponto deve controlar sua vontade de comer ou não. O parceiro não possui o direito de interferir nisso e ainda mais de forma perversa. Explico: o casal sai de casa para jantar, ela toda feliz se arruma impecável, querendo impressionar seu amado. Chegando no local escolhido, sentam o garçom trás o menu e no instante em que ela começa a olhar com apetite para as opções que o cardápio apresenta, ele solta a fatídica frase “ela quer uma saladinha” e eu… “um filé com molho de cogumelo paris, etc, etc. e tals; para acompanhar ela quer água mineral e eu um vinho da safra xxx”… já ouviu esse enredo? Só de pensar já me deixa furiosa. Quem o boçal pensa que é para ditar o que eu quero ou não comer e beber? Minhas necessidades básicas são direitos intocáveis… alimentação faz parte deste rol. Vc pode pensar, nossa, mas a senhora não está sendo radical demais com o rapaz, que só quer o bem da eleita para que ela fique nos padrões ditados pela sociedade de consumo???? Tenho sede de justiça e fome de cultura… jamais permitiria que alguém determinasse o que eu quero ou deixo de querer. Mas infelizmente, muitas mulheres passam por isso diariamente e não conseguem ver o quanto são manipuladas e desonradas nestas práticas hediondas.
Nossa Carta Magna, também conhecida como Constituição Federal, diz que todos somos iguais perante a lei, “homens e mulheres”… iguais??? Pois é, a igualdade formal está descrita na lei, mas quero que tente lembrar quantas mulheres tem as mesmas condições de direitos e oportunidades, que os homens em suas carreiras? Qual o número de horas que uma mulher acumula de dupla ou até tripla jornada para poder manter seu trabalho e o homem, por seu turno, dispõe de todo um suporte para galgar degraus na escala profissional e ainda tem apoio do senso comum para usar e abusar de seu tempo sem ter em suas costas o peso dos afazeres da casa e do cuidado com os filhos menores. Já observaram, que quando um pai avisa que sairá do trabalho para levar os filhos ao médico é considerado por todos como um exemplo de pai zeloso, já a mãe que em geral precisa sair do emprego para essas atividades, tais como médico, dentista, reuniões na escola, etc., são vistas como desidiosas e descomprometidas com suas carreiras. Isso está certo???? NÃO… mas é a realidade. Seria INVEJA o que os homens sentem da nossa capacidade de gerar, amar, doar-nos, fazer de tudo um pouco, cuidar de todos e ainda sermos bem sucedidas???? Eu acredito que simmmmmmm…. a inveja é um sentimento mesquinho, abjeto e que faz com que muitos homens deixem de reconhecer em suas mulheres a maravilha de criatura que lhes concede o beneplácito de com elas viver!!!
Pensando sobre a LUXÚRIA, me vejo bastante envolta em alta complexidade, já que a luxúria para alguns pode ter uma conotação sexual positiva, uma pitada de picancia no relacionamento… mas por outro lado, pode significar um transpasse dos limites sexuais do parceiro sem anuência, principalmente das mulheres. Como exemplo, posso falar com muita propriedade, pois já acompanhei vários casos durante a carreira, dos estupros conjugais. Um sem número de mulheres que vivem em união estável ou casadas, tanto faz, em muitas ocasiões não desejam praticar sexo com seus parceiros, por inúmeros motivos, mas sentem-se coagidas, forçadas, amedrontadas e acabam “permitindo” que a prática sexual ocorra. Depois sentem que foram usadas, humilhadas, como se estivessem sujas, tomam vários banhos, tentam retirar de suas entranhas o nojo que sentem de si mesmas e do outro. Tudo que ocorre após um não, é estupro… (lógico dentro da questão sexual).
Óbvio que é bacana ter um relacionamento sexual diferenciado, onde a parceria e a cumplicidade são cultivadas e não importa a forma como isso é feito, com ou sem fetiches, pois AMBOS QUEREM!!! Por outro lado, se houver dissenso, o crime de estupro passa a figurar na cena. Vejo o quanto é estarrecedor sentir que seu parceiro, de quem se esperava amor e compreensão, lhe trata como um pedaço de carne sem sentimentos, ou uma lata de lixo emocional, onde ele despeja suas frustrações e faz de vc uma espécie de calmante barato para alívio imediato de seu estresse. As mulheres precisam saber o conceito de estupro conjugal e não permitir sua prática. Basta de objetificação dos nossos corpos!
Deixei para constar no pecado da IRA (último deles) todos os casos onde as mulheres sofrem violências múltiplas por estarem nas mãos de um homem descontrolado que se acha no direito de “corrigir” sua mulher, ou mesmo, descontar nela toda sua raiva, fracassos, desilusões, descontentamentos, dissabores…
A IRA, causa lesões corporais, crime de dano (patrimonial), estupros, feminicídios…
Até quando?????
Trabalho todos os dias aqui em meu “confessionário” onde o ranger de dentes das mulheres vítimas de todos estes pecados são revelados… quando menos graves, sendo elas bem orientadas, temos resultados importantes de prevenção da senda delitiva dos agressores… mas existem momentos em que acabo sucumbindo e chorando sob as águas da minha ducha diária, quando apesar de toda orientação, avisos, BOs., medidas protetivas e tudo o mais que eu puder fazer, algumas acabam tendo suas vidas ceifadas por essa doença gravíssima e silenciosa chamada MACHISMO!!!
Quem confessa agora sou eu: essa luta me extenua, mas jamais poderei parar, enquanto os padrões patriarcais continuarem jogando as mulheres no abismo e a miragem de um sistema legal que funcione ainda embace as vistas turvas pela choro cotidiano, inviabilizando que se possa ver além do socorro que os profissionais de várias áreas oferecem…
Clamo a todas e todos que se importam com as vidas humanas, temos que parar de solapar e tirar a vida das MULHERES!