Nova Lei da Laqueadura – mudanças atrasadas para o século XXI
Pasmem, sei que é quase impossível imaginar que nossos direitos reprodutivos ainda estavam nas mãos deles!
Era uma vez uma jovem mulher que achava que o feminismo era bobagem e coisa de garota desocupada. Mas calma, logo vocês irão entender o que tudo isso tem a ver com a Nova Lei da Laqueadura.
Conforme ela foi estudando e convivendo no meio coorporativo foi desoladamente verificando que precisava de acesso aos recursos que só os homens tinham; que algumas vagas eram destinadas prioritariamente a eles; que os salários deles eram sempre maiores com as mesmas habilidades; que eles tinham oportunidades ampliadas por não se sentirem na obrigação de cuidar dos filhos; que eles alcançavam a liberdade financeira mais cedo, que estavam suscetíveis a menos julgamento acerca da postura e vestimenta, blá, blá, blá…
Imersa em toda essa cultura que privilegia os homens somente por serem homens e nada mais, nossa garota cada dia mais perplexa e frustrada tentava buscar uma resposta e aos 19 anos resolveu que realmente não gostaria de ter filhos, para que não acabasse ainda mais prejudicada em sua carreira do que já estava se sentindo, afinal na mente dela o problema eram os bebês! Estão começando a entender onde entra a Nova Lei da Laqueadura?
Inocente em relação a toda a armadilha na qual nós mulheres somos colocadas ao nascer neste mundo desigual, acreditava piamente que se não engravidasse conseguiria ao menos em parte concorrer com seus colegas homens na profissão que tanto amava.
Pois então, a realidade não é assim tão simples e clara. Tão comum quanto nefasta esta história, para piorar, nossa heroína foi assediada várias vezes no trabalho, tudo estava ficando cada vez mais sombrio e perigoso, quando num ato de desespero foi a ginecologista buscar um procedimento de esterilização aos 21 anos, para que caso algo ainda mais trágico lhe ocorresse a possibilidade de vir a engravidar fosse nula.
Como a saga desta nossa mocinha ainda não estava num “fundo de poço” total, na consulta a médica foi extremamente grosseira e lhe passou um baita “sabão” por ousar querer fazer uma laqueadura tão jovem.
Disse a médica: “está louca garota? Somente uma ginecologista totalmente irresponsável e sem coração lhe tiraria a possibilidade de ter uma família e de sentir a maior alegria do mundo que é a maternidade nesta idade.”
Tal discurso tão cheio de preconceitos e estereótipos deixaram a jovem ainda mais perdida e sem rumo sobre a situação que estava envolta. A empatia da médica foi a mesma de um “pedaço de pau” e nada fazia sentido naquele momento. A cabeça da garota girava…
Mas então os anos se passaram e nossa heroína foi ficando mais “dona de si” conhecendo seus direitos e se conscientizando da potencia positiva que as mudanças trazidas pelo feminismo, em nossas vidas representava. Aleluia!!! As coisas começavam a fazer sentido!
Já aos 23 anos recentemente casada e profissionalmente mais estável, a engajada jovem, buscou sua prerrogativa dada por lei sobre a esterilização e descobriu que já não precisava da autorização do marido (vejam que ainda era necessário que uma mulher casada solicitasse ao seu “dono e senhor” que lhe liberasse para um procedimento em seu próprio corpo) e estamos falando de 2023…
Pode não parecer, mas esta narrativa é baseada em fatos reais de uma cliente minha do escritório que veio me procurar pois queria processar a médica por não querer praticar a laqueadura nela mesmo que essa fosse sua vontade expressa.
Quando contei a jovem que apesar de ser uma aberração, a médica estava amparada pela lei, pois sem ter ao menos 2 filhos vivos ou mais de 25 anos (além do consentimento do marido se casada fosse) antes do dia 05 de março de 2023 com a entrada em vigor da Nova Lei da Laqueadura, nada poderia ser feito no caso dela.
Em lágrimas nossa heroína verbalizou a mim sua decepção e ao mesmo tempo demonstrou gratidão a todas as conquistas que nós mulheres tivemos nas últimas décadas embora saibamos que ainda estamos muito longe do ideal.
Hoje podemos comemorar que mais uma lei ultrapassada e machista fora modificada para atender aos nossos interesses e privilegiar nosso consentimento e noção de dignidade relacionada aos nossos corpos.
Enfim, a Nova Lei da Laqueadura trouxe a possibilidade de um melhor planejamento familiar, viabilizando que qualquer mulher independentemente da idade se tiver 2 filhos vivos possa utilizar-se da “laqueadura” nome popular dado ao procedimento de esterilização feminino, assim como mesmo sem filho algum após os 21 anos, qualquer mulher com a necessidade única e exclusiva do próprio consentimento, se quiser exercite o direito de não desejar engravidar.
Mais um degrau na longa escadaria do combate ao machismo e ao controle das nossas vontades, gostos, preferencias, direitos, corpos e vozes.
Ahhhh só pra constar nossa garota não se arrepende de nada a respeito do que decidiu nesta área da vida. A Nova lei da Laqueadura é mais um reflexo da nossa luta diuturna! Sempre que quiserem saber sobre seus direitos e como colocá-los em prática estarei aqui para lançar luzes sobre suas dúvidas. Como eu sempre digo: o futuro é feminino!